Memes também podem ser cobrados no Enem

Por Ana Carla Bermúdez, UOL

Populares na internet, os memes têm de tudo para aparecer, neste ano, pela primeira vez nas provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A aposta é de professores ouvidos pelo UOL, que ressaltam: apesar de fazer parte do cotidiano dos jovens, a interpretação desse tipo de linguagem pode não ser tão simples quanto parece.

Um meme pode ser uma ideia, um som ou até mesmo uma frase de efeito com conteúdo humorístico que se transmite rapidamente na internet –ou seja, que “viraliza”.

Thiago Braga, professor de português do Sistema de Ensino pH, destaca a importância dos memes “híbridos”, que misturam texto e imagem, para a prova do Enem.

“O meme que conjuga o verbal e o não-verbal exige uma interpretação muito atenta do aluno”, afirma o professor, que relaciona esse tipo de linguagem a outra velha conhecida dos vestibulandos: a charge.

“O meme é muito próximo da charge, tanto em termos de leitura quanto na necessidade de conjugar texto e imagem para a interpretação. O entendimento do meme exige uma série de referências culturais e sociais –a charge também, mas em um grau menor”, explica.

Simone Motta, professora e coordenadora de português do grupo Etapa, reforça que os memes se encaixam muito bem na proposta de prova do Enem, que nos últimos anos trouxe os mais diversos tipos de texto: desde charges, propagandas e histórias em quadrinhos até poemas e textos de jornal.

“É comum trabalharmos no Enem com linguagem não-verbal, por exemplo. Então, você tem questões em que aparece só a imagem. Ou, ainda, que misturam imagem e texto. O Enem cobra todos os tipos de leitura”, afirma.

Como estudar

Para os professores, é muito mais provável que um meme apareça como parte de uma questão objetiva do que dentro da proposta de redação do Enem, que segue um modelo mais “sério”. Mas isso não significa que memes com piadas “bobas” caiam na prova: a tendência, segundo eles, é que essas questões exijam do aluno um senso crítico.

“A questão pode pedir uma análise sintático-semântica, por exemplo, que cobre uma análise da estrutura que gera humor”, afirma César Ceneme, professor de português do curso Poliedro.

Para isso, ele explica que o aluno deve entender quatro conceitos fundamentais da língua portuguesa: a polissemia (diferentes sentidos de uma palavra), a homonímia (palavras que têm a mesma grafia ou pronúncia), as conjunções (palavras que ligam duas orações ou dois outros termos, estabelecendo uma relação entre eles) e o duplo sentido.

“Discutindo com os alunos, dá para perceber que eles captam o sentido do texto. O problema é quando se pede a análise estrutural desses elementos geradores. Aí, normalmente, o estudante tem um pouco mais de dificuldade”, analisa Ceneme.

O meme pode trazer, também, questões políticas e sociais relacionadas com os conteúdos de linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas –as quatro áreas de conhecimento cobradas no Enem.

“Crise política é um tema polêmico, mas que pode ser cobrado de forma genérica: a corrupção, por exemplo, pode aparecer, mas sem apontar nomes. O Enem já trouxe textos e poemas sobre a má-gestão do Brasil, falando como o país era corrupto no século XVII”, explica o professor Braga.

Dá para estudar meme?

Para os professores, o hábito da leitura é ponto chave para que o aluno consiga responder uma eventual questão que peça a interpretação de um meme no Enem.

“A preparação do aluno deve partir da leitura, e quando eu falo leitura não é apenas de memes ou piadas. É de literatura, de mídia”, explica a professora, que também destaca a importância das redes sociais, já que “é aí que o meme é colocado”.

Braga complementa: “o aluno tem que ter contato com memes críticos, e não só os que fazem piadas rasas. Ele precisa ver textos de diferentes tipos, entender como ler o texto verbal e a imagem, além de conjugar a leitura dos dois”.

O professor ainda defende a relevância do meme como ferramenta de expressão e de avaliação das habilidades dos candidatos no Enem e em outros vestibulares.

“Existe uma tendência a se menosprezar um pouco o meme. Mas qual a diferença entre um meme de hoje e uma charge do século XIX?”, questiona Braga. “Já tivemos até interações entre países, como a ‘guerra memeal’ entre Brasil e Portugal. Acho que é uma linguagem que veio para ficar, não é coisa passageira”.

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